July 16, 2007

Sao as trapaças da sorte

... sao as graças da paixao, quem quiser casar comigo, tem de ter opiniao...

Como diria o Saramago, toda a gente sabe que eu sou um zero à esquerda em termos de atividade esportiva. Na verdade sou um numero negativo. Eu atrapalho as pessoas que estao praticando esportes. Quando meu filhote Pessoa queria participar daquelas pavorosas competicoes de resistencia na piscina (24 horas na piscina, imaginem!) eu brigava com ele, desancava o professor de nataçao e mais do que tudo, implorava que ele saísse da piscina e fosse descansar. Pra mim a natureza foi feita para ser contemplada, se possivel pela janela.
A vida, no entanto, tem suas trapaças.
O meu King é um cara que os norteamericanos descreveriam como into the outdoors, que é um jeito bem engraçado de dizer que o sujeito gosta de estar ao ar livre. Acho engracado porque into significa dentro, portanto traduzindo literalmente seria dentro do exterior. A expressao me lembra aquele me inclua fora desta, dos anos 80.
Voltando, o King comprou uma bicicleta para mim tao logo eu confirmei a minha vinda ao Alaska. Isto foi ha uns 2 meses atras. Posso ser sedentaria, mas nao sou burra e vim com o honestissimo intuito de nao desapontar a torcida. No dia combinado, lá vamos nós para o tal de passeio de bicicleta nas trilhas do Alaska. O meu pavor de esforço fisico é tao grande que eu fiz questao de nem perguntar quantas milhas seriam. Só a palavra milha já dá aquela sensacao de exaustao. Mas enfim, eu ainda tentei boicotar a empreitada apresentando como desculpa a ausencia de capacete (exigido por lei aqui, para os ciclistas). O cara tinha todas as bases cobertas, como um jogador de beisebol, e apresentou um capacete. Nao sou mulher de dar vexame, e me entreguei ao sacrificio.
A paisagem das trilhas é uma coisa deslumbrante, sobretudo quando voce consegue controlar a dispnéia. No principio eu estava indo muito bem. Levei uma garrafinha de água (pensei num balao de oxigenio, mas já afirmei anteriormente que nao sou mulher de dar espetáculo) e uma maquina fotografica que me salvaram varias vezes: tempo para fotos! E aí o coracao se rearruma e a vida segue.
Lá pelas tantas, depois de muita boca aberta em cada curva do caminho – boca aberta pelas belezas naturais e pela total falta de preparo fisico- resolvi perguntar qual era o nosso plano de viagem. O cidadao, que para minha total irritacao nem transpira, me disse: falta mais um pouco, eu quero que voce veja a cidade de cima.
Conversando depois com o Bum, ele me alertou que eu deveria ter suspeitado do pior: mãe, este bagulho nao podia dar certo, ver a cidade de cima só pode ser longe .... mas a mãe é uma criatura crédula e continuei pedalando sem muita conviccao, pensando numa saída honrosa, quem sabe uma súbita cólica renal...
Quando todas as esperancas ja tinham me deixado eu perguntei: querido, ainda falta muito? Ele disse – oh nao, estamos quase lá, so falta uma milha.... e eu pensando: uma milha? Como assim?
Querido, voce sabe quantas milhas ja fizemos até aqui? Ele disse: está marcado no chao da trilha, ate aqui foram 2 milhas.... ai meu Jesus Cristinho..... ele estava falando serio quando me perguntou Are you ready? Eu acreditei que seria só um pequeno passeio e nem me despedi dos meus filhos.... mas, justica seja feita, será uma morte gloriosa, em meio a uma trilha nas montanhas do Alaska, a vida foi generosa comigo.
Continuei pedalando porque passei a me entreter com a ideia dos meus filhos transportando a pequena urna com as minhas cinzas de volta pro Brasil.... Será que eles colocariam a urna no “compartimento acima das suas cabeças”? Coitados, que sina.... a mãe lhes deu trabalho sempre e agora, mais essa...
Estes pensamentos na verdade foram providenciais porque me impediram que tomar contato com os passantes. Que humilhacao. Todo mundo me passava, e ainda tinha o King, que ficava la na frente dando voltinhas, enquanto me esperava. E eu pedalando..... Devo confessar que o pior mesmo sao os idosos, de todas as coloracoes e feitios, que passam altaneiros, como se nada houvesse. E eu lá, so ruborizando, alias, eu era um pimentao, com ondas de calor e tudo mais, no Alaska.
Finalmente chegamos ao tal destino, palavrinha profética. Uma vista gloriosa, mas eu nao tinha mais oxigenio e parece que para olhar a gente também usa oxigenio, imaginem que absurdo.
Tiramos as tais fotografias, olhamos o mundo de la e nos preparamos para descer.
A descida foi, digamos, mais facil, se considerarmos que eu tive pouquissimo controle sobre o que acontecia. Eu desci, e pronto. Nao pensem nem por um segundo que eu nao precisava pedalar porque, segundo o sempre bem disposto e energetico King, eles fazem declives e aclives para compensar. Compensar o quê cara pálida?
No dia seguinte eu era um fragmento de mim mesma. Quando acordei acreditei seriamente que precisaria de cuidados intensivos mas o dia foi passando e fui me acostumando. Agora só dói quando eu rio.
Na proxima: jantando com o indiano marxista. O mundo é bem pequeno mesmo.

July 15, 2007

E eu gostava tanto de você......

Depois de muita mumunha eu estou finalmente em Mineapolis. O vôo de Toronto pra cá atrasou uma eternidade, como diria o Erasmo (em frente ao coqueiro verde, esperei uma eternidade), deixei para tras aquela polidez plastificada da Air Canada e me entrego alegremente ao pessoal da Northwest Airlines. Uma turma muito, muito engraçada.
Eu teria de atravessar o aeroporto para pegar o aviao e vi que nao daria tempo. Passava por mim um indiano dirigindo um daqueles carrinhos de aeroporto conduzindo uma mulher muito obesa. Nao tive duvida, disse bem objetiva: pode me levar ate o portao 13? Eu estou perdendo a conexao. O indiano ficou meio indeciso, mas finalmente me indicou onde sentar (sobrava pouco espaço) e lá fomos nós, a gorda e eu. Ou seja.... as duas.
Enfim, o indiano cumprimentava todos os demais indianos que trabalhavam no aeroporto e andava numa velocidade que nos fazia perder de todas (repito TODAS) as pessoas do aeroporto. Velhinhos carregados da malas passavam por nós zimpando. E eu pensando: como é que eu sempre faço as escolhas erradas? Acho que 70 % da comunidade indiana dos Estados Unidos trabalha no aeroporto de Mineapolis e o meu indiano conhecia todas.
Chego finalmente ao guichet e lá está uma negona com um sorriso largo, tranquilona, feliz da vida dela. Ela está dando uma dura num sujeito que deve ser colega de trabalho e mais alguma coisa. Ele pede desculpas e ela nem se abala. Eu estou com fome, preciso ir ao banheiro, os passageiros já embarcaram e eu nem comecei a viagem de 6 horas pro Alaska e ja estou exausta. Pergunto se tenho 5 minutos pro banheiro. Ela diz: claro, take your time!
Faço o xixi mais atrapalhado da vida – laptop, cartao de embarque, cartao de bagagem....casaco... enfim, embarquei.
O aviao, bem o aviao é o que foi possivel conseguir. Nao há qualquer luxo nas coisas relacionadas ao Alaska. O povo realmente rico vai de aviao particular e nós, os mortais, vamos do jeito que o diabo gosta. Na passagem está escrito: venda de aperitivos. Meu colega na poltrona do lado direito leva isto bem a serio e pede tres garrafinhas de vodka só pra começo de conversa. Eu fui muito criteriosa ao mencionar o lado direito, porque estou na cadeira do meio, naquele assento em que nada de bom pode te acontecer.
No meu lado esquerdo, na tao sonhada janela (que eu tinha reservado na minha vida passada, antes de perder a conexao) uma índia americana. Bonita, grandona, um rosto anguloso, forte. Na verdade, cara de pouquissimos amigos. Salvo engano eu tenho sempre a impressao de que os indios norteamericanos desconfiam de todos.
Vi num parachoque de um carro: claro que voce pode confiar no governo. Pergunte aos indios.
Minha companheira olha desconfiada para os brancos, os negros e para mim que sou mulata. Seguro morreu de velho.
As pessoas no aviao sao barulhentas e parecem animadissimas com a viagem. Eu li num dos sites de viagem que a maioria dos visitantes do Alaska só vai lá uma vez. Tomara que as razoes sejam apenas o preço e a distância.
Os comissarios de bordo sao uma festa à parte. Sempre tenho esta sensacao quando viajo nos Estados Unidos. Eles realmente se divertem as nossas custas. Quando eu digo se divertem por favor incluam: dao gargalhadas, fazem piadas que ninguem entende e nao dao a minima para o glamour de viagem aérea. Lá vamos nós, nas asas da Panair... ops...
O aviao (porque no Brasil eles dizem aeronave?) comeca a deslocar-se no solo e ao subir dá um tranco. A índia dá um salto: incluir na lista- nao acreditam também em pilotos de aviao.
Nesta hora surge a personagem da viagem: o Tim Maia. Isso mesmo, o comissario de bordo é um sosia perfeito do Tim Maia. Pra nao dizer que nao tem diferenca, este tinha umas trancinhas no cabelo. Mas tamanho, feicoes, vozeirao e gozaçao sao os mesmos. A nao ser o medo do aviao que fazia com que o Tim Maia bebesse meia garrafa de algo forte antes do voar, o resto era igual. Bem, mas pelas gargalhadas que o cara dava, talvez até isso fosse igual!
Ele trabalha na primeira classe mas anda o aviao todo fazendo chacota do povo. How’re doing ma’n? Are you ready for that? You’d better be ready...
Chame o síndico. De repente ele vem conversar comigo e com a minha companheira do lado direito. Uma pacata americana de Detroit que vai pela primeira vez ao Alaska. Na verdade ela começa me perguntando: voce mora do Alaska? – Nao, é minha primeira vez. Ela: é assustador, voce nao acha?
Pela primeira vez eu me dou conta da situacao: Lilian, voce esta indo pro Alaska, um lugar que até americano acha assustador. Se oriente.
O Tim Maia inventa de dizer que devemos comprar as bugingangas dos catalogos que eles vendem. Segundo ele, vai ser a coisa mais interessante da viagem inteira. So faltava essa.
Um velhinho de uns 700 anos resolve ir ao banheiro e pede ajuda ao Tim Maia. Eu pagaria mil dolares para fotografar a cara que ele fez.
La vai o velhinho e o Tim Maia atras dele, rindo muito.
Um mulher maquiadissima, de roupa apertada, louraça belzebu, se coloca na fila do banheiro. Tim Maia nao perdoa: voce tambem precisa de ajuda? O aviao inteiro ri.
O comandante avisa que ja estamos em Vancouver e que vamos ter um pouco de balanco por causa de uns ventos do norte. God bless America. Licao de hoje: quando um piloto que faz as linhas do Alaska disser que havera ventos do norte, nao titubeie- acredite.
O velhinho vem ai novamente, deve ser a prostata mas o Tim Maia pressentiu a movimentacao dele e escapou para a primeira classe.
A minha irma pele vermelha dorme e pela primeira vez eu posso olhar pela janela: um mar de montanhas rochosas com neve perene. Jogaram açucar no mundo. Ninguem tinha me avisado. Encantamento total. Beleza, em estado bruto. O piloto avisa, estamos deixando o Canada e entrando no Alaska. Tinha razao quem criou a expressao mãe natureza.

July 11, 2007

pluralidades do mundo

Sou uma pessoa variada em pensamentos.....


Eu posso dizer que sou fascinada por pluralidades. Esta frase acima, que me acompanha há anos, foi grafitada por um paciente na parede do Hospital Candido Ferreira em Campinas, Sao Paulo. Nao sei se tiveram a cara de pau de apagá-la, mas está viva na minha sensibilidade desde então.
Este blog vem sendo adiado por, pelo menos, uns 10 anos. Meu filhote Bum vem me dizendo: mãe, vc precisa de um blog.... e a ficha nao me caía.... as pessoas me dizem: vc devia escrever um livro...e a ficha lá, empacada.... na verdade, nao há mais fichas de telefone.... Lilian, acorda!

Achei que nao poderia mais adiar o "projeto blog" a partir desta viagem ao Alaska. Quando um ser humano tem a chance de nascer no Rio de Janeiro e, por conta das "questoes paralelas" como diz o mestre Chico, vir parar no Alaska, algo tem de ser registrado. Pois, aqui estamos nós, iniciando uma conversa com os amigos, os conhecidos, os desconhecidos... e quem mais chegar....
Sou do grupo que adora falar mal de americano. Vir ao Alaska pareceu uma grande oportunidade para atualizar a maledicência. Festa do caqui. Até agora estou profundamente contrariada porque nao acho nada para reclamar. Até da festa do 4 de julho eu gostei. É mole? Disseram que eu voltei americanizada... preciso ler a biografia da Carmen Miranda que a Sorridente Navegante me recomendou.
Nao vou usar aqui o nome verdadeiro das pessoas. Agora que vivo no Canada ando mais paranoica com este papo de confidencialidade. Os amigos saberao quando eu estiver falando deles, os demais nao precisam saber de quem eu falo, apenas do quê eu falo. Combinado.
Por razoes obvias, nao vou ocultar o nome do mestre Chico e demais gurus. Eles já sao publicos, ou como diria o carteiro, do Carteiro e o Poeta, eles sao (como a poesia), de quem precisa deles. Nem sempre vou usar acentuacao e vou escrever no portugues que me resta, depois de tanta mistura de linguas na minha cabeça...

Mas eu dizia que a viagem me obriga a escrever e começo do meio, de um ponto qualquer destes meus 15 dias no Alaska:
Supermercado hoje. A caixa me pergunta como estou, eu agradeco e devolvo a pergunta. Rotinas. Ela me pergunta se tenho cartao... nao entendo...o meu codigo postal... olho aparvalhada... Ela tem uns 20 anos, nao sabe o que é menopausa. Eu digo: nao sei, I am sorry. Ela pergunta o meu telefone. Eu repito: nao sei.Nao me lembro destas coisas, há uma tal de caixa de memoria no meu celular, graças a ela eu ligo para casa e para alguns amigos. Os demais estao no Brasil... oops, voltando....
Ela esta furiosa comigo. Sai da caixa e me deixa brincando com um treco bem estranho onde vc passa p cartao e ao mesmo tempo assina seu nome, com uma canetinha porreta sobre uma tela de computador.
Ficamos, eu e o empacotador (há um empacotador, um senhor com uma leve deficiencia cognitiva que foi recompensada com um sorriso largo e uma atitude muito amigavel.
Ela volta dois minutos depois com um cartao na mao, o tal cartao que ela havia perguntado se eu tinha e que eu nao compreendera.
Ela me entrega o cartao e diz professoral: vc precisa de um cartao, senao vc nao economiza!
Agradeço, me aprumo atras do carrinho e vou embora meio envergonhada-meio orgulhosa da espécie humana: economizei 10% da minha conta de 70 dolares mas ganhei mais que isso: o empacotador achou normalissimo que a caixa cruzasse a loja feito uma flecha para me preparar um cartao de descontos. Ela correu pela loja enquanto eu me atracava com a maquininha do débito para me proporcionar um desconto. Isto sem falar no funcionário imigrante (mexicano?) que me perseguiu pelo mercado me obrigando a dizer mil vezes que eu estava bem, nao precisava de ajuda. Há esperanças.
Na proxima: voando do Canada para o Alaska com o Tim Maia como comissario de bordo. A vida vale a pena.